8.5.12

Compreendendo a importância da variabilidade genética dentro de uma população

O blog do Cão Preto recebeu uma visita muito especial hoje! Com a nova empreitada em meio a assuntos de cinofilia e criação, eu conversei com o amigo Thiago Mendes, biólogo e criador de Schipps, para me ajudar a discutir esses assuntos por aqui. Hoje publicamos o primeiro texto do Thiago no Cão Preto. Aproveitem! O Thiago está só começando, rs.


Compreendendo a importância da variabilidade genética dentro de uma população



A maioria das pessoas quando pensam em genética se lembram do Aa, dos experimentos de Mendel com suas ervilhas, muitos pensam que genética é basicamente isto, para cada característica temos dois fatores sendo um dominante e um recessivo. Outros que tem uma visão mais biotecnológica pensam nas mutações, transgenias, identificação de genes; parece tudo mágico, simples e que vai solucionar todos os problemas. Bom, vamos desmistificar um pouco as coisas.




Primeiro, termos importantes:

Genótipo – características contidas nos genes, referente a um locus ou mais.
Fenótipo – expressão do genótipo com ou sem influência do meio ambiente, pode ser uma característica ou conjunto de características. O meio pode alterar o fenótipo, mas não pode alterar o genótipo. Ao observar o fenótipo observamos de forma indireta o genótipo.
Dominante – gene que sempre passa sua característica.
Recessivo – gene que não se expressa na presença de um dominante.
Codominante – gene que se expressa junto com um dominante.
Mutação – alteração na informação genética. Pode ser uma troca de nucleotídeo, uma deleção ou uma inserção de nucleotídeo. Raramente uma mutação leva a expressão de caractere já existente no grupo.
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Locus – local do gene em um cromossomo.
Alelos – tipos de genes para cada locus.


A variabilidade genética e sua importância

A grande maioria dos loci (plural para locus) não possuem apenas 2 alelos e sim muitos; o mais correto seria pensar em possíveis genes para um locus assim: A1, A2, A3, A4, ... a1, a2... . A relação destes genes pode ser de dominância, codominância, recessividade, interação, supressão e outras. O nome dado para um locus depende diretamente do estudo, pode ser qualquer letra, não existe uma regra, o único padrão é que a característica dominante vai ser com letra maiúscula e recessiva com letra minúscula.

A maioria dos mamíferos são diplóides (2n), isto é, possuem 2 conjuntos de cromossomos (com exceção dos sexuais X e Y), um conjunto veio da pai e o outro conjunto da mãe, logo possuem 2 de cada tipo de cromossomo (fita de DNA: um par de cada). São nos cromossomos que encontramos os locus, portanto para estudar uma característica temos que pensar pelo menos em 2 genes.

Pensando nisso, vamos analisar a importância da variabilidade para evitar a expressão de alterações relacionadas a genes recessivos. Considerando um locus com apenas 5 possíveis alelos teremos 15 possíveis genótipos (A1A1, A1A2, A1A3...), supondo que um alelo recessivo cause uma doença (a) a chance da expressão deste gene em uma população estável será muito pequena pois a chance de nascer um aa é baixa, 8,3%, seria necessário cruzar dois portadores do gene (A1a, A3a por exemplo) para que isto ocorresse e mesmo assim a probabilidade seria de 1/4. Para manter esta variabilidade neste locus é necessário manter o fluxo gênico dentro da população, para isso não é interessante repetir muitas vezes o mesmo cruzamento, muito menos cruzar indivíduos com grande proximidade de parentesco, estes cruzamentos levam a perda de alelos na população e com isto aumenta as chances de expressão de genes recessivos.

Perder alelos dominantes em uma população é fácil, eliminar um alelo recessivo, por outro lado, é muito difícil. Basta observar o gene para albinismo que é uma mutação muito antiga do ponto de vista evolutivo e que continua presente nas populações, mesmo quase sempre sendo selecionada negativamente.

É importante considerar a variabilidade porque ao se perder apenas dois alelos para o caso acima restarão apenas 6 genótipos possíveis e com isto a chance de expressão do gene recessivo aumentou em 300%, passou a ser de 25% na população. Temos que pensar nisso para vários loci e não só para um, existem várias doenças recessivas que em populações estáveis raramente se expressariam.

Uma pessoa que gosta de biotecnologia poderia dizer assim: “Bom, mas com o uso de um marcador por técnica fish não poderíamos detectar o gene causador da doença? Isto não resolveria o problema?” A resposta seria ‘sim’, ‘não’ e ‘não é tão simples assim’. Em primeiro lugar precisamos da sequência complementar a que se busca, para algumas doenças temos, para muitas outras não. Segundo problema é que a identificação não significa eliminação da característica. Eliminar de uma população um gene recessivo é muito difícil, praticamente impossível. Os portadores do gene que possuírem também um dominante junto não vão expressar a característica, os filhotes deste também podem não expressar, seria necessário fazer o teste em todos os indivíduos da população e eliminar da criação todos os portadores, isto é uma tarefa monumental e praticamente impossível.

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Pensem nisso em todas as possíveis doenças. Manter a variabilidade genética é a forma mais eficiente de controlar a expressão e de custo muito mais baixo. Temos que avaliar também que existem muitos genes supressores de expressão, a variabilidade genética permite a manutenção destes genes supressores, logo um indivíduo homozigoto de um gene causador de doença nem sempre vai ter a doença, pois o gene inibidor pode impedir a expressão da característica.

Existe um conceito em dinâmica de populações que é extinção genética, isto ocorre quando um grupo de seres vivos fica com um número tão restrito de variantes gênicas que tenderá a desaparecer. Para mamíferos o número mínimo de indivíduos está próximo a 250 variantes em meio natural e 50 em meio artificial tomando os cuidados para manutenção da variabilidade.

Um exemplo disso é o mico-leão-dourado. A espécie ficou com um número tão reduzido que se o homem não intervisse no fluxo gênico a espécie se tornaria extinta, mesmo que mais nenhum outro espécime fosse retirado do meio ambiente, pois os cruzamentos consanguíneos começaram a ser frequentes e variantes genéticas seriam perdidas pelos grupos levando a extinção genética e presencial futura. O homem interviu de forma direta nisso, migrando espécimes entre as áreas de preservação, fazendo alguns cruzamentos específicos em cativeiro e reintroduzindo ao meio natural. Atualmente a espécie está estável geneticamente.

Para quem quer uma fundamentação mais profunda e teórica sobre o assunto, busque um bom livro de genética aplicada a dinâmica de populações, tem tudo isso e muito mais.

E o que tem isso a ver com cães?

Pensem nisso ao se analisar qualquer criação e ao escolher um animal de estimação. Em cães o negócio está feio. Muitos criadores não tem a menor noção disso. Muitos acreditam que “homogeneizar” a criação com cruzamentos consanguíneos é o caminho correto a ser seguido, isso está levando as raças a perder a variabilidade e a ter “doenças típicas”. Algumas raças estão tão restritas geneticamente que logo mais poderão ser consideradas extintas geneticamente (se nada for feito), isto é um absurdo. Um bom cão de raça não tem “doenças típicas”, um bom cão de raça é saudável e a manutenção da variabilidade é o caminho para fazer isso. Usar os termos em inglês (inbreeding ou linebreeding) não muda o conceito e seus efeitos.

Bom, esses são apenas alguns pontos a serem avaliados em relação à importância da variabilidade genética, outro dia continuo...


Thiago Mendes
Biólogo e criador da raça Schipperke

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