Compreendendo a importância da variabilidade genética dentro de uma população
A maioria das pessoas quando pensam em genética se lembram do Aa, dos experimentos de Mendel com suas ervilhas, muitos pensam que genética é basicamente isto, para cada característica temos dois fatores sendo um dominante e um recessivo. Outros que tem uma visão mais biotecnológica pensam nas mutações, transgenias, identificação de genes; parece tudo mágico, simples e que vai solucionar todos os problemas. Bom, vamos desmistificar um pouco as coisas.
Primeiro, termos importantes:
Fenótipo – expressão do genótipo com ou sem influência do
meio ambiente, pode ser uma característica ou conjunto de características. O
meio pode alterar o fenótipo, mas não pode alterar o genótipo. Ao observar o
fenótipo observamos de forma indireta o
genótipo.
Dominante – gene que sempre passa sua característica.
Recessivo – gene que não se expressa na presença de um dominante.
Codominante – gene que se expressa junto com um dominante.
Mutação – alteração na informação genética. Pode ser uma
troca de nucleotídeo, uma deleção ou uma inserção de nucleotídeo. Raramente uma
mutação leva a expressão de caractere já existente no grupo.
Alelos – tipos de genes para cada locus.
A variabilidade genética e sua importância
A grande maioria dos loci (plural para locus) não possuem
apenas 2 alelos e sim muitos; o mais correto seria pensar em possíveis genes
para um locus assim: A1, A2, A3, A4, ... a1, a2... . A relação destes genes
pode ser de dominância, codominância, recessividade, interação, supressão e
outras. O nome dado para um locus depende diretamente do estudo, pode ser
qualquer letra, não existe uma regra, o único padrão é que a característica
dominante vai ser com letra maiúscula e recessiva com letra minúscula.
A maioria dos mamíferos são diplóides (2n), isto é, possuem
2 conjuntos de cromossomos (com exceção dos sexuais X e Y), um conjunto veio da
pai e o outro conjunto da mãe, logo possuem 2 de cada tipo de cromossomo (fita
de DNA: um par de cada). São nos cromossomos que encontramos os locus, portanto
para estudar uma característica temos que pensar pelo menos em 2 genes.
Pensando nisso, vamos analisar a importância da
variabilidade para evitar a expressão de alterações relacionadas a genes
recessivos. Considerando um locus com apenas 5 possíveis alelos teremos 15
possíveis genótipos (A1A1, A1A2, A1A3...), supondo que um alelo recessivo cause
uma doença (a) a chance da expressão deste gene em uma população estável será
muito pequena pois a chance de nascer um aa é baixa, 8,3%, seria necessário
cruzar dois portadores do gene (A1a, A3a por exemplo) para que isto ocorresse e
mesmo assim a probabilidade seria de 1/4. Para manter esta variabilidade neste
locus é necessário manter o fluxo gênico dentro da população, para isso não é
interessante repetir muitas vezes o mesmo cruzamento, muito menos cruzar
indivíduos com grande proximidade de parentesco, estes cruzamentos levam a
perda de alelos na população e com isto aumenta
as chances de expressão de genes recessivos.
Perder alelos dominantes em uma população é fácil, eliminar
um alelo recessivo, por outro lado, é muito difícil. Basta observar o gene para
albinismo que é uma mutação muito antiga do ponto de vista evolutivo e que
continua presente nas populações, mesmo quase sempre sendo selecionada
negativamente.
É importante considerar a variabilidade porque ao se perder
apenas dois alelos para o caso acima restarão apenas 6 genótipos possíveis e
com isto a chance de expressão do gene recessivo aumentou em 300%, passou a ser
de 25% na população. Temos que pensar nisso para vários loci e não só para um,
existem várias doenças recessivas que em populações estáveis raramente se
expressariam.
Uma pessoa que gosta de biotecnologia poderia dizer assim:
“Bom, mas com o uso de um marcador por técnica fish não poderíamos detectar o
gene causador da doença? Isto não resolveria o problema?” A resposta seria ‘sim’,
‘não’ e ‘não é tão simples assim’. Em primeiro lugar precisamos da sequência complementar a que se busca, para algumas
doenças temos, para muitas outras não. Segundo problema é que a identificação não
significa eliminação da característica. Eliminar de uma população um gene
recessivo é muito difícil, praticamente impossível. Os portadores do gene que possuírem
também um dominante junto não vão expressar a característica, os filhotes deste
também podem não expressar, seria necessário fazer o teste em todos os
indivíduos da população e eliminar da criação todos os portadores, isto é uma
tarefa monumental e praticamente impossível.
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Pensem nisso em todas as possíveis doenças. Manter a variabilidade genética é a forma mais eficiente de controlar a expressão e de custo muito mais baixo. Temos que avaliar também que existem muitos genes supressores de expressão, a variabilidade genética permite a manutenção destes genes supressores, logo um indivíduo homozigoto de um gene causador de doença nem sempre vai ter a doença, pois o gene inibidor pode impedir a expressão da característica.
Existe um conceito em dinâmica de populações que é extinção
genética, isto ocorre quando um grupo de seres vivos fica com um número tão
restrito de variantes gênicas que tenderá a desaparecer. Para mamíferos o
número mínimo de indivíduos está próximo a 250 variantes em meio natural e 50
em meio artificial tomando os cuidados para manutenção da variabilidade.
Um exemplo disso é o mico-leão-dourado. A espécie ficou com
um número tão reduzido que se o homem não intervisse no fluxo gênico a espécie
se tornaria extinta, mesmo que mais nenhum outro espécime fosse retirado do
meio ambiente, pois os cruzamentos consanguíneos começaram a ser frequentes e variantes
genéticas seriam perdidas pelos grupos levando a extinção genética e presencial
futura. O homem interviu de forma direta nisso, migrando espécimes entre as
áreas de preservação, fazendo alguns cruzamentos específicos em cativeiro e
reintroduzindo ao meio natural. Atualmente a espécie está estável
geneticamente.
Para quem quer uma fundamentação mais profunda e teórica
sobre o assunto, busque um bom livro de genética aplicada a dinâmica de
populações, tem tudo isso e muito mais.
E o que tem isso a
ver com cães?
Pensem nisso ao se analisar qualquer criação e ao escolher
um animal de estimação. Em cães o negócio está feio. Muitos criadores não tem a menor noção disso. Muitos
acreditam que “homogeneizar” a criação com cruzamentos consanguíneos é o caminho
correto a ser seguido, isso está levando as raças a perder a variabilidade e a
ter “doenças típicas”. Algumas raças estão tão restritas geneticamente que logo
mais poderão ser consideradas extintas geneticamente (se nada for feito), isto
é um absurdo. Um bom cão de raça não tem “doenças típicas”, um bom cão de raça
é saudável e a manutenção da variabilidade é o caminho para fazer isso. Usar os
termos em inglês (inbreeding ou linebreeding) não muda o conceito e seus
efeitos.
Bom, esses são apenas alguns pontos a serem avaliados em
relação à importância da variabilidade genética, outro dia continuo...
Thiago Mendes
Biólogo e criador da raça Schipperke
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