[…] desse lugar que para nós sempre foi sagrado, mas que percebemos que nossos vizinhos têm vergonha de admitir que pode ser visto assim. Quando nós falamos que o nosso rio é sagrado, as pessoas dizem: “isso é algum folclore deles"; quando dizemos que a montanha está mostrando que vai chover e que esse dia vai ser um dia próspero, um dia bom, eles dizem: "não, uma montanha não fala nada". […] - trecho de “Ideias para adiar o fim do mundo” de Ailton Krenak
Eu estava relendo esse livro lindo e esse trecho me remeteu aos treinos recentes que eu tenho cocriado com o Kvothe. Eu tenho pensado muito nisso. De fora, um espectador distraído não notaria que tanta coisa mudou. Mas nossa, como mudou. No início (muito frustrante, diga-se de passagem), eu tentava encontrar meios de ensinar o que eu queria pro meu cão sem levar muito em consideração o que ele achava disso. É esquisito porque eu não percebia que eu fazia isso na época. Mas ao enfrentar um problema eu me debruçava sobre os planos, sobre o método, como eu quebraria aquele comportamento em pedaços menores. Tudo isso, estando de costas pro meu cão. Como se o treino fosse algo que eu fizesse à ele, para ele e não uma coisa que construímos juntos. Não me ocorria que eu podia ter perguntado diretamente qual era o problema que estava rolando. Mas naquele tempo ainda que eu não acreditasse nisso, eu agia como quem diz "não, um cachorro não fala".
Hoje, eu sinto que meus treinos são convites, são perguntas. “E aí? O que você acha disso?” e ele tem total autonomia pra poder responder, da sua própria maneira, "nossa, achei uma bosta”. E mudamos o treino, eu faço novas perguntas. Diante de problemas, as soluções não vêm de eu me debruçar sozinha sobre eles e trazer respostas prontas (e ficar frustrada que ele não apreciou quão genial é meu plano). Eu sugiro mudanças e paro pra escutar as respostas.
Screenshot de uma das nossas sessões cocriadas favoritas que eu gosto de chamar de "que porra tá acontecendo aqui?" |