30.4.12

Mudanças pelo tempo - Bull Terrier

Uma imagem vale mais do que mil palavras. Deixo então o equivalente a 3000 palavras a vocês!

1898

1946

Hoje - Chamos Whispered Secret at Blazinbullys
Melhor da Raça na Crufts 2012

24.4.12

O padrão de raça e práticas de criação

Nos últimos tempos tenho dedicado um espaço considerável do blog para discutir um tópico importante na criação de cães: a conformação física. Hoje - antes de me arriscar em temas ainda mais polêmicos da cinofilia - vou discutir o papel da estrutura na seleção de animais, seus objetivos, pressupostos e efeitos colaterais.

No primeiro post da série eu coloquei brevemente como a estrutura muita vezes representa algo terrível e prejudicial para aqueles que se empenham em produzir um cão de trabalho. Não é difícil compreender o porque quando olhamos para a situação atual da cinofilia.


Uma labradora de trabalho vs. ClearCreek BonaVenture Windjammer,
campeã da raça na Westminster 2012
A seleção de cães para exposição se justifica e baseia no seguimento de um documento supremo, o Padrão da Raça. Esse tipo de documento descreve, de maneira deveras superficial, como deve ser o temperamento e a aparência do exemplar típico da raça. Sendo assim, teoricamente, a criação de cães show é voltada para criar cães que se adequem a esse padrão a fim de poderem executar melhor suas funções originais. Infelizmente, uma rápida olhada nas fotos das Labradores e dos Clumber Spaniels denuncia o pouco sucesso desse tipo de criação para seus objetivos iniciais. 


Sedgehurst Tempest, exemplar de trabalho vs. Chervood Snowsun,
exemplar que teve o título de Melhor da Raça negado no Crufts 2012

Toda a ideia de seguir um dito padrão na seleção de uma raça é um problema interessante e intrigante. Quais as justificativas para tais práticas? Ou ainda, que evidências sugerem que as características descritas permitem que o cão típico seja um melhor trabalhador? 

Possivelmente em resposta à algumas dessas questões, os padrões de raça são documentos bastante amplos na maneira como descrevem as características de dada raça. Isso, a meu ver, é um ponto bastante positivo.


Para exemplificar podemos olhar um pequeno excerto do padrão da raça Labrador Retriever:

         "POSTERIORES
                    Aparência geral: bem desenvolvidos; sem inclinação para a cauda.
                    Joelhos: bem angulados.
                    J
arretes: bem descidos. Jarretes de vaca são altamente indesejáveis."

Se analisarmos os dois cães da foto com esse mesmo padrão podemos notar que ambos os cães estão adequadamente dentro do padrão da raça no quesito "posteriores". Pelo meu ponto de vista, obviamente. Mas há de se pensar, o que são posteriores bem desenvolvidos? Eu não sei, assim como não sei qual o limite que define um joelho bem angulado. Fica claro, portanto, como esse documento deixa muito espaço para interpretação.

Como coloquei, isso não é necessariamente um ponto negativo, pelo contrário! Cães trabalhadores de qualidade podem vir em vários "pacotes". Mas então por que a criação de cães batalha tanto para criar uma homogeneidade tão extrema nas raças? Já vi diversas entrevistas em que criadores avaliavam a qualidade de um plantel conforme a homogeneidade dos animais. Se não me engano, as pistas de exposição do tipo "criação" são justamente isso.

Joelhos bem angulados? Hmm, acho que passou do ponto!
Uma possível razão para a busca por essa homogeneidade são as próprias exposições de beleza e a utopia do cão "ideal". Tentar produzir vários exemplares que se assemelhem tanto quanto possível aos principais campeões da raça aumenta a probabilidade desses animais se saírem bem nos ringues. Mas surge o questionamento: dentro desse padrão amplo e interpretativo quem decide quais características serão valorizados e quais serão punidas? E por quê?

Afinal de contas, ao analisar brevemente o padrão da raça Labrador e da raça Clumber Spaniel não consigo ver como os exemplares de trabalho não serviriam como exemplos típicos de suas respectivas raças. Para mim, os dois exemplares mais moderados são animais bem mais típicos que seus colegas de exposição.


Mas também, há de se questionar, por que a homogeneidade é um problema? Por que não podemos produzir todos os animais dentro do mais alto grau de qualidade possível (supondo que esse grau exista e seja objetivo)? O principal problema da busca pela homogeneidade são as práticas a que criadores recorrem para atingir esse objetivo. Estou me referindo ao inbreeding (também conhecido como retrocruzamento) que consiste em acasalar animais aparentados para "fixar" determinadas características desejáveis daquela linhagem nos filhotes.


O inbreeding reduz a variabilidade genética e acelera a "fixação" de uma dada característica na população, o que é extremamente vantajoso para um criador que esteja selecionando uma característica específica como, por exemplo, mais massa muscular, pelagem ou até características comportamentais como o eye power de alguns cães pastores. 


No entanto, através desse mesmo processo, também é possível selecionar doenças de fundo genético como a urolitíase que afeta a maioria dos dálmatas, a syringomyelia que afeta boa parte dos Cavaliers ou as várias doenças oculares que afetam a raça Collie (CEA, PRA, Colobomas e por aí vai). É óbvio que tais doenças não são selecionadas de propósito, mas representam alguns dos efeitos colaterais do inbreeding.


Isso sem contar os problemas inerentes a conformação "esperada" em cada raça. Só para citar alguns exemplos temos: o ectróprio dos Basset Hounds, os problemas de pele devido as dobras do Mastim Napolitano (2) ou Sharpei, os problemas dentários e respiratórios causados pela braquicefalia nos Pugs, a péssima movimentação dos Pastores Alemães ou, o rei supremo do absurdo cinófilo, o Bulldog Inglês.
Nova Scotia: raça que sofre com as
altíssimas taxas de inbreeding


Mas ainda fica pior. Pois é.


O inbreeding não está relacionado apenas com a aparição de doenças específicas que podem ser facilmente controladas com exames de dna (como é o caso da 'Collie Eye Anomaly'). A perda da variabilidade genética resulta no fenômeno conhecido como depressão endogâmica que pode causar queda da fertilidade, longevidade, ineficiência do sistema imunológico, aumento da frequência de filhotes natimortos ou deformados, etc, etc, etc


Agora, deixo um excerto de uma entrevista do criador de Mastim Napolitano Enrique Graziano para a Revista Cães&Cia na edição de fevereiro de 2011. Vamos brincar de ligar os pontos...


"Os filhotes têm estrutura física forte, mas são frágeis em termos imunológicos. Ficam doentes e morrem com facilidade. Em geral, por verminoses. É fácil que sejam contaminados por giárdia ou eiméria. Hoje, dou a primeira dose de vermífugo com 7 dias de vida. Já perdi muitos filhotes. Atualmente perco menos, mas ainda perco.[...] Só quem cria Mastino muito leve e, portanto, fora do padrão obtém a procriação mais fácil"


Na entrevista, Graziano acusa a consanguinidade como principal causa de problemas na raça, inclusive em relação aos problemas de saúde dos filhotes.

Mas, não se iludam, a consanguinidade não é um problema só do Mastino, ou só das raças citadas nesse post. A consanguinidade é um problema para todas as raças criadas dentro um sistema de registro fechado como da FCI.

15.4.12

Treino sem punições?

Faz algum tempo, eu traduzi um texto da canadense Susan Garrett e que foi publicado no site da Tudo de Cão. Se você não leu esse artigo, recomendo que o faça antes de ler essa postagem, ela ficará um pouco mais clara dessa forma. Mas também, a leitura não é obrigatória. :)

É possível treinar cães sem o uso de punições?

Treinar um cão sem broncas
pode ser fácil!
A adestradora Susan Garrett é famosa por treinar seus cães para agility sem o uso de correções físicas ou verbais. Susan já ganhou diversos títulos nacionais e internacionais com vários cães diferentes, lançou livros e dvds e impressiona pelo nível de precisão com que seus cães executam comportamentos (puxa-saco-ô-ô, mas sou mesmo!).

O grande conceito-chave de seu treinamento é que ela tem controle dos reforçadores que seus cães podem obter. Como assim? Tudo aquilo que os cães de Susan adoram eles poderão obter se exibirem os comportamentos que ela espera. Mas o grande segredo é que Susan não tem controle só dos brinquedos e petiscos. No, no, no! Ela controla outras atividades muito reforçadoras como nadar no lago, correr no jardim, brincar com outros cães e pessoas ou, até mesmo, poder fazer agility.

Para Susan, o maior motivo pelo qual as pessoas usam punições no treino é porque elas não controlam o acesso a todos os reforçadores e aí, o cão consegue se "auto-reforçar".  Exemplificando, o cão se "auto-reforça" quando não presta atenção ao tutor na pista de agility e tem a oportunidade de cheirar o local e/ou brincar com outros cães; ou quando puxa a guia para chegar mais rápido até outro cão. Como esse comportamento de não prestar atenção foi reforçado (pelos cheiros, por ex.), a probabilidade dele ocorrer no futuro só aumentou. Ou seja, o cão aprendeu a não prestar atenção!

Quando o tutor não consegue controlar o acesso a esses reforçadores (no caso, cheirar e interagir com outros cães), ele se vê obrigado a inserir a punição em seu treino para diminuir os comportamentos "inadequados" de seu cão.


Mas não é preciso corrigir fisicamente ou verbalmente um cão para obter um comportamento impecável. A seguir, deixo um vídeo que demonstra lindamente esse tipo de treinamento. Farei comentários após o vídeo. :)

 
Vocês repararam qual foi o reforçador que a tutora usou para treinar seu cão? O objetivo do exercício era ensinar o cão a fazer agility concentrado e se acalmar mesmo na presença de uma cadela no cio.

Para isso, qual o melhor reforçador a ser usado? Isso mesmo, a própria fêmea no cio! :)

Dois "detalhes" são essenciais no vídeo. Reparem que em nenhum momento o cão está fora da guia. Por que? Dessa forma, o tutora tem algum controle sobre ele e facilita com que o cão não cometa erros. Afinal, se o cão comete-los estará se auto-reforçando e só restará puni-lo para não se distrair com a fêmea. Dessa forma, o cão emite os comportamento esperados pela tutora e pode ser reforçado. Isso é um quesito muito importante! 

O outro "detalhe" é que mesmo usando a fêmea como reforçador, a tutora ainda usa o brinquedo. Por que isso? O cão tem de aprender a brincar ou receber comida em qualquer situação (sim, esses também são comportamentos treináveis!) para que seu treinamento seja mais fácil e para que ele não, digamos, "escolha" com o que quer treinar! É importante que o cão aprenda a usufruir dos reforçadores que lhe são oferecidos, caso contrário, controlar fica muito mais difícil. E novamente, teriam de voltar a punição para treiná-lo.

No final, vocês podem ver que o cão deita muito mais calmo do que no começo do vídeo e executa a zona da gangorra com perfeição. Provando que, afinal de contas, é possível treinar um cão sem punições! :)

13.4.12

9.4.12

O corpo funcional - parte 2

Gostei muito da repercussão do meu post passado. Várias pessoas tentaram acertar o desafio e várias comentaram sobre o que foi discutido no texto. Para aqueles que ficaram com medo de errar, isso é besteira, a grande questão da brincadeira é aprendermos a ver como a estrutura afeta a movimentação e como esse é, de fato, um quesito importante na criação de cães. Afinal de contas, tudo é aprendizagem! Vale dizer também que eu falhei miseravelmente quando fiz esse teste pela primeira vez, rsrs.


Aqui vão as respostas!


1. C - Esse cão é o mais rápido de todos mas tem problemas para fazer curvas e não consegue abaixar seu centro de gravidade com facilidade. Ela salta melhor que todos e é a mais atlética dos 4, mas não é a mais rápida no agility pela sua dificuldade de fazer curvas. Ela também pisa em falso quando corre e quando faz o slalom, o que é ineficiente. Isso não a deixa mais devagar no chão, mas a atrapalha no slalom. Ela é nossa melhor nadadora e a mais rápida, ama buscar o que quer que seja, independente da temperatura ou do lugar.






2. A - Esse cão foi o poodle standard mais premiado no agility americano por dois anos. Ela frequentemente consegue bater Border Collies e se qualifica para as seletivas para o Mundial de agility todo ano. Ela consegue fazer curvas tão curtas e tão rápidas quanto qualquer outro cão no agility. Ela tem pouca velocidade ao correr mas compensa com sua grande habilidade em saltos. Ela também consegue acelerar muito rapidamente. Se o percurso for cheio de curvas, ela vai muito bem. Se o percurso é longo com muita corrida e espaço entre os obstáculos, ela será bem mais lenta devido a sua falta de velocidade. Ela é uma nadadora muito boa, mas não é a nossa mais poderosa, no entanto, ela é um cão de caça ("game dog") e tentará de tudo. Ela busca muito bem.






3. BEsse cão salta em excesso, pula muito antes e joga suas patas anteriores acima de sua cabeça ao saltar. Quando está correndo solta com outros cães, ela é incapaz de abaixar seu centro de gravidade, mesmo que só um pouco. Ela não consegue fazer curvas e é nossa poodle mais lenta. Ela é terrivelmente desajeitada. Sua pernas traseiras ficam muito atrás de seu corpo quando ela corre e assim, ela tem pouquíssima força nos posteriores. Ela não consegue nadar nem para salvar sua vida. Ela afunda como uma pedra e, apesar de termos tentado de tudo para ajudá-la a aprender, ela simplesmente não consegue nadar. Ela se movimenta mal e tem dificuldade de colocar seus posteriores abaixo de seu corpo, então sentar é bem dificil para ela. Ela mal consegue se abaixar para fazer xixi.


Quem quiser, o artigo original pode ser lido na íntegra aqui!




Mas, afinal, que características determinam uma movimentação tão diferente para cada um desses cães? 


É claro que ao discutirmos estrutura, temos que lembrar que pouco importa uma característica assim ou outra assada de forma isolada. Um posterior bem angulado e forte não se movimenta sozinho (nao diga! rs) e é importante considerar o cão como um todo. 


Mas, ainda assim, ao procurar um cão para determinada função, devemos olhar para as características que melhor favorecem essa função. Como a Maria Valladares bem comentou, "a movimentação que a estrutura acarreta independe da raça. Por isso cada uma tem uma estrutura desejada, exatamente de acordo com a movimentação necessária para o desempenho da tarefa original". Ou seja, cada raça deve possuir a estrutura que melhor permitir a movimentação adequada para seu trabalho. A maneira como as angulações, proporções ou outras partes da conformação afetam a movimentação independe da raça. 


E o que cães de trabalho, no geral, precisam? Na minha opinião, todo cão de trabalho deve ser rápido, ter facilidade para frear e acelerar, facilidade para pular e nadar. Esse é o pacote básico. Não consigo lembrar de nenhuma raça de trabalho que exija algo muito diferente (nem mesmo os dachshunds e basset hounds). Sendo assim, é nisso que focarei hoje!
A super angulação de posteriores é comum e desejada
na seleção de várias raças


Esse "pacote básico" vai ser o foco aqui hoje. Como produzí-lo?


Quando um cão corre ele utiliza seus posteriores para tracionar seu corpo para frente. Um cão para poder saltar, correr, nada e acelerar necessita de posteriores fortes e corretamente angulados.


Por algum motivo peculiar, possivelmente pela valorização desse tipo de conformação nos eventos de exposição, a angulação dos joelhos (ângulo entre fêmur e tíbia) sempre foi muito relacionada a potência e velocidade. Infelizmente para muitas raças, a lógica do "mais é sempre melhor que menos" tem criado cães com super angulações que sofrem com os problemas do excesso. A foto do Pastor Alemão ilustra esse tipo de problema que pode ser encontrado em diversas outras raças. A angulação correta de joelhos varia conforme a raça e a função, mas "no pacote básico" o ideal é uma angulação moderada.


E por algum outro motivo peculiar, a criação de cães tem dado pouca atenção a outra parte muito importante dos posteriores, a angulação de pelvis. A angulação correta da pelvis é o que permite ao cão colocar seus posteriores embaixo do corpo e tracionar. Além disso, a pelvis é essencial para que o cão consiga frear ou fazer curvas.



Na foto ao lado estão representados dois esqueletos caninos, um com boa angulação de pelvis e outro com a pelvis "chata". Olhando para o esqueleto da direita podemos dizer que esse cão teria dificuldades de colocar os posteriores embaixo do corpo e tracionar para correr, assim como poderia ter dificuldades de sentar e fazer xixi como uma das poodles apresentadas acima.


Ao lado podemos ver duas das poodles do estudo com linhas sobre suas angulações. Reparem a diferença na angulação da pelvis. Mas além disso, reparem a diferença da extensão da garupa ("croup" em inglês -ponta superior da pelvis até inserção da causa). A garupa é uma região musculosa e se for curta como no caso da poodle 3 não conseguirá projetar o cão para frente com força e velocidade.


Uma pelvis "chata" como a do segundo esqueleto ou da poodle 3 faz com que os posteriores se projetem para trás, como em um chute, criando uma movimentação ineficiente e fraca. Infelizmente, essa movimentação tem sido selecionada em muitas raças no ambiente de exposição, inclusive nos Poodles, uma raça que originalmente tinha múltiplas funções e deveria possuir o "pacote básico".





E agora, por último, prestem atenção a proporção dos ossos fêmur e tíbia. Em termos de "pacote básico", o ideal é que esses ossos possuam o mesmo tamanho. Muitas vezes a tíbia é maior que o fêmur em comprimento, alterando a movimentação de um trote para uma marcha e assim, diminuindo a força e alcance da passada.


Para ilustrar e para finalizar (meu deus, olha o tamanho desse post!), deixo algumas fotos de outras espécies para que vocês se atentem aos ângulos que mencionei acima. Reparem como o guepardo da foto consegue colocar as patas traseiras abaixo de seu corpo para tracionar durante o galope. Sem esse alcance dos posteriores, a tração se torna ineficiente e mesmo que existam músculos fortes, eles não conseguiriam se posicionar corretamente para produzir um galope ou uma frenagem adequados. Notem na segunda foto a angulação de sua pelvis.







Agora olhem a foto do lobo abaixo e prestem atenção a todos os aspectos mencionados acima: angulação do joelhos, angulação da pelvis, extensão da garupa e proporção fêmur e tíbia. Não existe melhor representação do "pacote básico" do que a conformação lupina!